Referenciais de talento e tradição, os corpos estáveis das Escolas de Arte da Universidade Federal da Bahia, a exemplo da Orquestra Sinfônica, do grupo vocal Madrigal, da Companhia de Teatro, do Teatro Martim Gonçalves, do Grupo de Dança Contemporânea e da Galeria Cañizares, tornam possível a realização e o aperfeiçoamento contínuo das mais diversas formas de expressão artística.
Cada uma das Escolas de Arte mantém em atividade esses corpos estáveis, que são projetos institucionalizados, reconhecidos pelas congregações das respectivas unidades de ensino a que são vinculados. A pró-reitora de Extensão Fabiana Dultra Brito ressalta que a UFBA é uma das poucas instituições de ensino superior do país que tem formação em arte nas quatro grandes áreas, com cursos de graduação e pós-graduação. Diz, a propósito, que “a UFBA sempre esteve ligada à vanguarda artística através de movimentos como o tropicalismo e modernismo, com grande relevância para a história das artes”.
De fato, a UFBA foi responsável, na década de 1950, pela criação das primeiras escolas de arte do país. O projeto visionário, liderado pelo então reitor Edgard Santos, incentivou a formação profissional na área e atraiu para a universidade e para o estado da Bahia muitos artistas reconhecidos nacional e internacionalmente. Em 1947, um ano depois de fundada, a UFBA incorporou a Escola de Belas Artes, então com 70 anos de existência. Em seguida, foram criadas as escolas de Música (1954) Dança e Teatro (1956).
“Os corpos estáveis se configuram como espaços em que se produz conhecimento por meio do fazer artístico, e não apenas da teoria. Um espaço laboratorial que articula ensino, pesquisa e extensão. O fazer artístico sempre foi proeminente na UFBA, isso é muito específico da nossa universidade”, explica Dulce Tâmara Lamego Silva e Aquino, diretora da Escola de Dança.
O diretor da Escola de Música José Maurício Valle Brandão, coordenador artístico e regente da Orquestra Sinfônica e do Madrigal, ressalta que a função acadêmica é a principal razão de ser destes corpos estáveis, que têm grande importância na formação dos estudantes como espaço que lhes permite fazer parte de todo processo formativo, desde os ensaios individuais, passando pelas práticas em conjunto, até chegar as apresentações públicas. “Também faz parte do processo formativo o contato com o público e a visibilidade da produção artística. Arte não se faz para ser guardada dentro de um armário, mas para ser mostrada”.
“A companhia da Escola de Teatro da UFBA é um laboratório que permite a produção de conhecimento e a troca de experiência entre estudantes e professores a partir de uma relação mais horizontal, diferente daquela hierarquização professor-aluno que caracteriza muitas atividades acadêmicas”, diz Luiz Cláudio Cajaíba Soares, diretor da Escola de Teatro.
Parte da Escola de Belas Artes (EBA), a Galeria Cañizares é também um dos corpos estáveis na Universidade. A EBA programa uma série de atividades para a comemoração dos seus 140 anos. “A partir de julho iremos lançar a programação de exposições, seminários e mesas redondas. Serão realizadas exposições no Museu de Arte da Bahia, Museu de Arte Moderna, Museu Carlos Costa Pinto, entre outros que possuem em seu acervo obras de grandes artistas que foram formados pela EBA e demonstram toda a contribuição da Universidade na área das artes”, antecipa a diretora Nanci Santos Novais.
A Escola de Música (EMUS) abriga dois corpos estáveis reconhecidos em seu regimento, que são a Orquestra Sinfônica da UFBA e o Madrigal, ambos criados nos anos 50. De acordo com diretor da Escola de Música, o professor e maestro José Maurício Brandão, os dois conjuntos musicais surgiram a partir dos primeiros Seminários Livres de Música, antes mesmo da criação da unidade de ensino. Inicialmente composta apenas por um grupo de cordas, a orquestra incorporou posteriormente os naipes de sopro e percussão e conta atualmente com 15 diferentes tipos de instrumentos.
A Orquestra Sinfônica (OSUFBA) tem uma base mínima de 30 músicos – servidores técnicos selecionados através de concurso público, acrescentada de estudantes e professores, que juntos, neste semestre, somam 80 músicos. Os estudantes participam por meio da atividade curricular prática em conjunto, do estágio supervisionado e como bolsistas.
O atual diretor da EMUS, que passou a comandar os conjuntos musicais sete anos atrás, observa o processo de recomposição dos conjuntos, com um aumento efetivo de produção e de visibilidade. “Os dois conjuntos atingem uma média de 3.500 espectadores por ano apenas com as apresentações domésticas, sem contar o público das turnês e festivais”, destaca.
A OSUFBA apresenta uma média de 14 concertos por ano na cidade de Salvador. Além disso, há dois anos, passou a fazer turnês em várias cidades do Nordeste. Já o grupo vocal Madrigal tem uma média de seis apresentações anuais e participa de outros tantos eventos, a exemplo do ciclo de comemorações pelos 70 anos da UFBA, em 2016.
A Orquestra funciona como laboratório de aperfeiçoamento para os estudantes e também acompanha músicos de renome internacional que são convidados para ministrar cursos na Escola, o que estimula a troca de experiências e o contato com outras realidades. Os estudantes têm a possibilidade de participar de master class com esses músicos, que compartilham conhecimentos e participam de atividades artísticas junto aos grupos musicais da universidade.
O Madrigal tem mais de 3 mil apresentações realizadas no Brasil e no exterior, nos mais diversos espaços públicos e privados, entre os quais parques, igrejas, praças e escolas. Para o diretor da EMUS, a formação na área deve ter uma visão plural, que considere todas as inserções possíveis no universo formativo em música. “O músico é preparado para tocar tanto nos salões de concerto como também nas ruas”.
O grupo vocal atende aos alunos dos cursos de Composição, de Regência e Canto, configurando-se como um espaço de aprimoramento e prática musical indispensáveis à formação do músico. Dirigiram o grupo nomes como Ernst Widmer, Afrânio Lacerda, Georg Bird, Graham Griffts, Lindembergue Cardoso, Pino Onnis, Erick M. Vasconcelos, Paulo Novaes, Valmir Barbosa, José Maurício Brandão, Zobeida Prestes e Leandro Gazineo.
Compõem o Madrigal 15 músicos concursados, dois estudantes bolsistas e mais um número flutuante de estudantes a cada semestre cumprindo atividades curriculares. Ambos os conjuntos têm uma rotina de ensaios diária – o Madrigal ensaia sempre pela manhã, e a OSUFBA no período da tarde.
“A EMUS tem uma tradição gigantesca, com um nome construído ao longo de 63 anos de história. Implantamos o primeiro mestrado profissional no país. A Escola é reconhecida pelo seu pioneirismo e inovação”, avalia o diretor, que destaca o convênio firmado com a Orquestra Sinfônica de São Paulo, considerada a mais importante do país, que envia seus músicos para realizar pós-graduação na UFBA.
Ele revela o desejo de continuar prospectando novos alunos e estimulando o crescimento dos conjuntos musicais, além de promover uma turnê internacional. Pretende também dar maior visibilidade às apresentações artísticas por meio de ferramentas como a transmissão on-line. “Estamos montando um canal da EMUS que funcionará como um repositório da nossa produção artística e permitirá acompanhar as apresentações pela Internet”, conclui.
O Grupo de Dança Contemporânea (GDC), que surge junto com a criação da Escola de Dança, é outro desses espaços na universidade denominados como corpos estáveis. Configurado enquanto grupo em 1965, teve coreógrafos como Rolf Gelewski, Yanka Rudshka, Clyde Morgan, Roger George, Klauss Vianna, Dulce Aquino, Lia Robatto, Carmen Paternostro, Márcio Meirelles e Teresinha Argolo.
O grupo segue em atividade com o objetivo propiciar a vivência do trabalho artístico e contribuir para uma qualificação diversificada e profissional dos estudantes, ampliando as suas possibilidades de atuação no mercado de trabalho. No mês de junho, o GDC promoveu audição para seleção de novos dançarinos. Segundo a diretora da Escola, foram recebidas 60 inscrições para o processo seletivo que oferece oito vagas. Ela explica que o grupo geralmente conta um número reduzido de dançarinos para facilitar nos deslocamentos e viagens para apresentações.
A Galeria Cañizares, nomeada em homenagem ao fundador da Academia de Belas Artes da Bahia, incorporada a UFBA como Escola de Belas Artes, o pintor valenciano Miguel Navarro y Cañizares. Estabelecida em 1970, a Galeria promove a exibição gratuita da produção artística de estudantes de graduação e pós-graduação, professores e artistas convidados. As suas pautas incluem mostras como o “Salão da Escola de Belas Artes”, a exposição “Docentes em Pauta”, e a mostra bienal “É tudo Design”.
Editais abertos no final de cada ano definem as pautas de exposições para o espaço, a partir de uma curadoria com a participação de professores da Escola. Cada exposição fica em cartaz uma média de 15 dias. De acordo com a diretora da EBA, professora Nanci Novais, o calendário é ocupado em 80% pelo público interno, atendendo a demandas de estudantes e docentes.
No ano passado a Galeria Cañizares recebeu 5 mil visitantes – apenas registrados no livro de visitas. Como parte das pessoas não costuma registrar sua presença nas exposições, estima-se que o número real seja muito maior. A galeria abre-se também à participação da comunidade externa, com espaço para artistas convidados de outros estados e artesãos que expõem na galeria como uma forma de reconhecimento pela importância de seus trabalhos.
As exposições que fazem parte do calendário da Galeria seguem predominantemente a linha da arte contemporânea, com instalações, performances e vídeos, recursos que estão mais em voga hoje em dia, segundo observa a diretora da unidade. “Mas não dispensamos exposições históricas e também fazemos convites especiais para enaltecer o trabalho de artesãos valorizados em suas comunidades”, afirma.
Nanci Novais ressalta ainda a importância de promover a exposição de trabalhos dos professores da Escola, que têm espaço através de projetos como “Docentes em Pauta”. “O professor em sala de aula as vezes interrompe a sua produção artística por falta de tempo. Os alunos ficam curiosos para conhecer o seu trabalho. Através dessas exposições, incentivamos a produção dos docentes para que possam compartilhar técnicas e atualizar a sua poética”.
As artes cênicas compõem outra forma de manifestação artística que encontra lugar privilegiado na Universidade por meio da Companhia da Escola de Teatro da UFBA. Formada por professores, técnicos, estudantes e artistas convidados, a Companhia, fundada em 1981, destaca-se pela produção contínua e pelo reconhecimento público, com muitos prêmios recebidos em nível local, regional e nacional.
A companhia mistura tradição e contemporaneidade na produção de espetáculos e tem uma média de duas encenações por ano. O grupo Abarca, criado por Martim Gonçalves, primeiro diretor da Escola de Teatro, influenciou o seu surgimento nos anos 80. “Após um hiato nas produções, a Companhia passou a desempenhar o papel que era da Abarca”, explica Luiz Cajaíba.
O grupo é aberto à participação do público em geral. A cada novo espetáculo, o elenco é definido através de audições regulares – não há mais um elenco fixo como no início da companhia –, e os professores da Escola se revezam na direção dos espetáculos. A companhia está em fase de ensaio de sua próxima montagem, “Inventário Gusmão”, uma homenagem ao primeiro estudante negro formado pela Escola, Mário Gusmão, uma abordagem com aspectos biográficos que vai tratar sobre os preconceitos que a população negra ainda sofre no universo da arte. A estreia está prevista para o dia 27 de julho, no Teatro Martim Gonçalves.
“Especialmente nos últimos anos a companhia abriu o seu processo de seleção de modo a permitir uma participação cada vez maior dos estudantes, que por um tempo era episódica, a partir do convite de professores. Os próprios estudantes demandaram maior participação nos espetáculos. Com isso, houve um aumento significativo do corpo estudantil nas produções e isso está evidenciado em montagens mais recentes da companhia como Vozes de Desejo e Dark Times – ambas encenadas em 2016”, conta.
“Geralmente os estudantes se vinculam ao projeto não apenas através da via da interpretação, mas atuam também na parte técnica, com a integração de conhecimentos nas áreas de iluminação, sonoplastia, figurino, etc. Assim, eles podem vivenciar um processo pedagógico muito rico e um lugar de produção que detém grande complexidade, o que coloca o estudante em contato com o ambiente profissional”, destaca o diretor da Escola.
Recursos extra orçamentários
Esses corpos estáveis da UFBA vão receber em conjunto, neste ano de 2017, o valor de R$340 mil de cotas extra orçamentárias, através do Programa de Apoio às Artes (PAArtes). O objetivo é apoiar os grupos artísticos e os equipamentos culturais institucionalizados da universidade.
Cada uma das escolas de artes receberá R$ 85 mil para serem investido em corpos permanentes a exemplo da Galeria Cañizares, na Escola de Belas Artes, da Companhia de Teatro e do Grupo de Dança Contemporânea da UFBA. Na Escola de Música, os recursos serão destinados para projetos como o Madrigal e a Orquestra Sinfônica – que também contam com outras fontes de investimento e suporte devido às especificidades para sua manutenção.
“A arte é indispensável e central. Portanto, a despeito do contingenciamento de recursos e a redução do orçamento geral, a universidade faz um esforço para manter suas atividades artísticas vivas e em crescimento. A UFBA é pioneira no tratamento especial destinado às artes, com muitos êxitos ao longo dos seus 70 anos de história. Mesmo que se tenha que cortar recursos em outras áreas, essa é uma prioridade para a atual gestão”, afirma o Pró-reitor de Planejamento e Orçamento da UFBA, Eduardo Mota.
De acordo com a Pró-reitora de Extensão Fabiana Dultra Brito, a criação de um programa próprio para apoiar diretamente as escolas de artes vai ao encontro das estratégias para a consolidação das políticas da atual gestão e representará uma melhora qualitativa no emprego dos recursos na área. “É do interesse institucional dar visibilidade para aquilo que as Escolas produzem em termos artísticos”, destaca.
“Além do financiamento das atividades institucionalizadas pelos grupos permanentes nessas unidades de ensino, será aberta também a possibilidade de que novos projetos sejam indicados pelas Escolas para receber os recursos”, afirma Fabiana Brito, que explica que a arte produzida na universidade é diferente daquela que se produz no mercado.
“Estamos produzindo conhecimento de natureza artística. Na Universidade, a produção de arte está ligada às atividades de ensino, pesquisa e extensão. Entendo que a cultura e a arte são parte da extensão universitária”, avalia.
O pró-reitor de Planejamento e Orçamento afirma que, apesar das restrições financeiras enfrentadas nos últimos anos – quando o recurso para cada escola de arte foi de R$ 60 mil anuais, a universidade dedicou-se a recuperar, dentro das possibilidades atuais, como fará este ano com o valor anunciado, os recursos destinados aos corpos estáveis de artes, investindo na manutenção da capacidade de produção e reafirmando o seu compromisso com o desenvolvimento das artes. A expectativa é de que seja possível ampliar estes recursos no próximo ano, a depender da disponibilidade orçamentária.
O PAArtes é uma iniciativa da Reitoria em conjunto com a Pró-Reitoria de Extensão (Proext) e a Pró-Reitoria de Planejamento e Orçamento (Proplan).
Fonte: EdgarDigital