Luzes parcialmente acesas, som com volume abaixo do usual, circulação de pessoas e formas de expressão livres por parte do público podem não ser características habituais às salas de cinema convencionais, mas é a realidade que atrai o público à Sessão Aberta de Cinema. Projeto da UFBA voltado a proporcionar convívio social e lazer a pessoas com sensibilidades a estímulos visuais e sonoros, que possuem espectro autista ou outras necessidades especiais, Sessão Aberta tem exibições na sala de cinema da UFBA, sempre no primeiro sábado do mês, às 10 horas.
Neste abril, mês que marca a luta pela conscientização sobre o autismo, o projeto coordenado pelo professor Lauro Porto, da Faculdade de Medicina, completa um ano de existência. “Eu tenho um neto autista e, a partir de ações semelhantes em outros estados, minha filha, mãe do meu neto, teve a ideia de fazer a Sessão Aberta de Cinema”, conta.
Porto explica que pessoas que se encaixam no transtorno do espectro autista – que vai dos transtornos autista, desintegrativo da infância, generalizado do desenvolvimento não-especificado e síndrome de Asperger – têm, em geral, dificuldades de socializar e se comunicar. “Eles têm um comportamento que destoa da criançada do cinema, então podem ficar agitados ou gritar. São atitudes que, em uma sala comercial, podem incomodar outras pessoas e criar constrangimentos para quem acompanha”. Em sua visão, o projeto da UFBA garante oportunidade de entretenimento aos autistas e seus familiares, por meio de um ritual que vai além da exibição do próprio filme: envolve a ida ao cinema num passeio prazeroso para toda a família.
Arlete Guimarães, servidora do Instituto de Química, fala que o projeto da UFBA criou a oportunidade de, pela primeira vez, levar seu filho Marcilio, de oito anos, ao cinema. “Em razão do espaço adaptado, do controle de iluminação e do áudio, isso o fortalece a chegar ao cinema comum. É importante para ele e para o nosso segundo filho, o Heitor de quatro anos, que também nunca tinha ido ao cinema” e ainda ressalta que, para ela, de forma semelhante a outros pais, participar da sessão é uma grande satisfação, não só pelo próprio convívio familiar como também pela troca de experiência.
A projeção do filme não é o único atrativo da Sessão Aberta de Cinema. Uma equipe coordenada pela professora Juliana Santana do Instituto de Psicologia recebe os espectadores, tanto antes quanto durante a exibição do filme, num espaço ao lado da sala de cinema. “Pela primeira vez, essas pessoas têm o acolhimento necessário. Um espaço sem julgamento”, diz Juliana.
Ela conta que, no início do projeto, ao recepcionar os familiares, era visível uma tensão por parte deles em razão do medo de serem julgados ou avaliados pelo comportamento do filho/a. “No momento que falávamos que ali era um espaço de livre expressão, nós percebíamos nos olhares deles um sentimento de alívio, de mais tranquilidade”. Ela ainda observa que para muita gente o cinema é um lugar novo e “nós sabemos que esse período inicial pode criar algum desconforto”, independente de ter uma doença ou não.
Para além do cunho social, a professora de psicologia enfatiza que a arte é um jeito de conhecer o mundo de um nova forma, a partir de um outro olhar. Para ela, “a arte por si só é inclusiva. A gente faz umas adaptações sensoriais, mas o filme é o mesmo. O cinema permite esse diálogo e convívio, é uma linguagem artística diversa”.
As atividades de psicologia desenvolvidas no espaço externo à exibição contam com recursos sensoriais e lúdicos, de pinturas a brinquedos. Na exibição do último sábado, 1º de abril, Juliana lembra que sua equipe trabalhou com plásticos-bolhas, uma unanimidade entre crianças e adultos, “tem um efeito calmante e relaxante”, explica Juliana.
Foi o sucesso da Sessão Aberta de Cinema, que teve suas principais exibições lotadas, que a tornou mensal. Nesse mesmo período, o público-alvo foi ampliado de forma a promover o convívio entre diferentes pessoas, com características sensoriais especiais ou não. “O objetivo é criar um espaço de convivência com pessoas diversas, com ou sem necessidade especial e de uma faixa de idade aproximada”, fala Porto.
Sobre a abertura ao público geral, Juliana destaca que o contato com a diversidade implica desafios. “O encontro com o diferente é sempre saudável, as pessoas tem que estar preparadas a ir a uma sessão diferente, nem melhor nem pior, apenas diferente. Isso é muito positivo em termos de aprendizagem”, afirma.
O professor Lauro Porto afirma a intenção de fortalecer cada vez mais o projeto. “Nas duas primeiras sessões, aplicamos um questionário. As pessoas se mostraram muito agradecidas porque havia sido a primeira vez que o filho teve oportunidade de ir ao cinema. Basta uma resposta dessa pra vermos que estamos no caminho certo”, fala.
A sessão especial de cinema é desenvolvida pela Pró-Reitoria de Extensão Universitária (Proext) e o Instituto de Psicologia da UFBA. O projeto conta com exibições sempre no primeiro sábado de cada mês (exceto julho e novembro por causa dos feriados). Os filmes são, em geral, animações, mas os usuários podem sugerir os filmes que irão compor o projeto.
A próxima sessão de cinema acontece dia 06 de maio e terá em cartaz “O Menino e o Mundo” (confira o trailer), que conta a história de Cuco, um menino que sai numa jornada em busca de seu pai. A animação brasileira de 2013 é dirigida por Alê Abreu e foi um dos cinco indicados ao Oscar de melhor filme de animação na edição do Oscar 2016.
Sobre os próximos filmes em cartaz ou novidades relacionadas à Sessão Aberta de Cinema, interessados devem acompanhar as páginas de eventos da UFBA e da Proext.
Confira as próximas sessões e bom filme!
- 6 de maio, 3 de junho, 8 de julho, 5 de agosto, 2 de setembro, 7 de outubro, 11 de novembro, 2 de dezembro.
Fonte: EdgarDigital